Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização

MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa de. Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática de Alfabetização). Disponível em: <http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/40138>. Acesso em: dia mês abreviado ano.

No texto “Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização” os autores tem por objetivo “apresentar os resultados da pesquisa “Psicogênese da língua escrita”, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, em seus aspectos linguísticos, significativos à alfabetização, e demonstrar os equívocos mais comuns advindos da interpretação desvirtuada dessa teoria, bem como suas consequências”.( MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,p.37)
De acordo com os autores “Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram em 1974 uma investigação, par­tindo da concepção de que a aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento e demonstraram que a criança, já antes de chegar à escola, tem ideias e faz hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os estágios linguísticos que percorre até a aquisição da leitura e da escrita.” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,p.37).
O autores salientam que “Ferreiro e Teberosky desenvolveram sua pesquisa com fundamentos psicolinguís­ticos quando recapitulam o construtivismo, deixando claro que a teoria piagetiana acumulava pesquisas insuficientes para dar conta da linguagem, tendo aí um papel marginal na constitui­ção das competências cognitivas, fazendo com que buscassem, na Psicolinguística, fundamen­tos para a investigação da Psicogênese da língua escrita.” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,p.37).
De acordo com as autores os estudos dessas autoras  “partem do pressuposto de que todo o conhecimento tem uma gênese e co­locam as seguintes questões: Quais as formas iniciais do conhecimento da língua? Quais os processos de conceitualização do sujeito (ideias do sujeito + realidade do objeto de conheci­mento)? Como a criança chega a ser um leitor, no sentido das formas terminais de domínio da base alfabética da língua escrita?”.( MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,p.37).”
A Psicogênese da língua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos concei­tos e das habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisição desses atos linguísticos segue um percurso semelhante àquele que a humanidade percorreu até chegar ao sistema alfabético, ou seja, o aluno, na fase pré-silábica do caminho que percorre até alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a palavra falada, e desconhece como essa representação se processa. Ele precisa, então, responder a duas questões: o que a escrita representa e o modo de constru­ção dessa representação.” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,P.37).
Nesse sentido, os autores ressaltam que “Ferreiro e Teberosky (1986) desenvolvem também aspectos propriamente linguísticos da Psicogênese da língua escrita, quando descrevem o aprendiz formulando hipóteses a respeito do código, percorrendo um caminho que pode ser representado nos níveis pré-silábico, silá­bico, silábico-alfabético, alfabético. Essa construção, demonstra a pesquisa, segue uma linha regular, organizada em três grandes períodos: 1º) o da distinção entre o modo de representação icônica (imagens) ou não icônica (letras, números, sinais); 2º) o da construção de formas de diferenciação, controle progressivo das variações sobre o eixo qualitativo (variedade de gra­fias) e o eixo quantitativo (quantidade de grafias). Esses dois períodos configuram a fase pré­-linguística ou pré-silábica; 3º) o da fonetização da escrita, quando aparecem suas atribuições de sonorização, iniciado pelo período silábico e terminando no alfabético.” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,P.38).
Deste modo apontam que “Portanto, a Psicogênese da língua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos concei­tos e das habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisição desses atos linguísticos segue um percurso semelhante àquele que a humanidade percorreu até chegar ao sistema alfabético, ou seja, o aluno, na fase pré-silábica do caminho que percorre até alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a palavra falada, e desconhece como essa representação se processa. Ele precisa, então, responder a duas questões: o que a escrita representa e o modo de constru­ção dessa representação.”( MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,p.40).
No decorrer do texto os autores destacam que “o construtivismo, com base na Psicogênese da língua escrita, teoria formulada e comprovada experimentalmente por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986), há mais de vinte anos foi introduzido no Brasil, para contribuir na me­lhoria da qualidade da alfabetização, e adotado pelos mais importantes sistemas públicos de ensino. Nesse tempo, vem abalando as crenças e os fundamentos da alfabetização tradicional, mudando drasticamente a linha de ensino das escolas e levando os professores a um grande conflito metodológico.”( MENDONÇA; MENDONÇA, 2011,p.40)
Os autores apontam que “Na elaboração das Propostas, sob forte impacto das descobertas de Ferreiro e Teberosky (1986), houve uma tentativa de metodização da Psicogênese da língua escrita, ou seja, os organi­zadores de tais propostas tentaram, à luz da teoria, criar um método revolucionário, inovador de alfabetização, muito diferente do método das cartilhas utilizado durante décadas em nosso país” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 45).
Para os autores “Alfabetizar sig­nifica ensinar uma técnica, a técnica do ler e escrever. Quando o aluno lê, realiza a decodifica­ção (decifração) de sinais gráficos, transformando grafemas em fonemas; quando ele escreve, codifica, transformando fonemas em grafemas. Esse é um aprendizado complexo, que exige diferentes formas de raciocínio, envolvendo abstração e memorização. A escrita é uma conven­ção e, portanto, precisa ser ensinada” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 46).
O autores apontam como “O grande equívoco que vem ocorrendo na alfabetização, no Brasil, resulta da concepção equivocada e das práticas adotadas e divulgadas, decorrentes da má interpretação da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, a Psicogênese da língua escrita” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 47).
Os autores destacam“A definição de “alfabetização” e “letramento” é muito importante não só como fim, mas principalmente como meio. Há autores que afirmam não se poder diferenciar alfabeti­zação de letramento, pois este representaria a alfabetização plena, em seu sentido mais amplo. Concordamos com essa afirmação em termos de fim, pois seria desejável que todos os alunos concluíssem o Ensino Fundamental sabendo usar o código com desenvoltura e segurança, po­rém não é isto que acontece. Entretanto, como meio (a alfabetização propriamente dita), esta­belecer a diferença entre os dois processos é necessário, pois dessa clareza decorrerá a prática do professor na seleção de estratégias a serem empregadas para levar o aluno ao domínio do código, sem o qual, em nossa compreensão, não se pode classificar um indivíduo como letrado” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 47).
Os autores explicam que “É necessário que o aluno primeiro domine o código (como era feito no método das cartilhas) para só depois ter acesso à leitura de textos completos. Sabe-se, por meio de pesquisas, que a criança exposta à leitura de livros, artigos de jornais ou revistas e demais diferentes suportes de texto tem maior facilidade na compreensão de características específicas da língua escrita. Assim, mesmo sem dominar o código, se levada a produzir textos, apesar de reproduzir amostras de escrita de nível pré­-silábico, a criança quando solicitada a ler suas produções revelará conhecimentos que vão além da codificação e decodificação, pois em sua leitura ela estabelecerá concordância nominal e verbal, e até fará uso de pronomes (levou-a, levá-la etc.), fatos que não ocorrem na linguagem coloquial popular” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p.48).

Os autores destacam que “Segundo Soares,(2003) na alfabetização, a grande contribuição é da linguística, que trata das relações entre sistema fonológico e sistema ortográfico, apontando o melhor caminho para a criança se apropriar desses sistemas e suas relações” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 48).
Os autores ressaltam que“ Alfabetização e letramento são realmente processos distintos, mas que devem ser realizados concomitantemente, a fim de se assegurar uma aprendizagem de qualidade, porém o processo de alfabetização, por ser específico e convencional, precisa ser sistematicamente ensinado e, portanto, merece esforço e dedicação especiais” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p.48).
Os autores sustentam a ideia que “Alfabetizar exige trabalho sistemático com objetivos determinados, com carga horária diária, concentração, esforço, persistência e determinação”. (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 49).
Segundo os autores“A aprendizagem da escrita (codificação de sinais) é mais complexa. Para ler, o aluno irá memorizar grafias diferentes e estabelecer a correspondência entre qual grafia representa determinado som; entretanto, para escrever (codificar), o esforço a ser empreendido é muito maior, pois tem-se observado em salas, durante duas décadas após a divulgação da Psicogêne­se, o aparecimento de outro problema quando, por exemplo, 90% dos alunos de uma classe do­minam o alfabeto, sua leitura e escrita, mas não sabem combinar letras para compor palavras” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 51).
De acordo com os autores “Após a divulgação da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, a cartilha foi considerada a vilã, responsável pelo fracasso de 50% dos alfabetizandos e, por decorrência, culpada pela evasão escolar. Muitos professores ficaram sem saber como agir, pois todas as estratégias de ensino indicadas pela “revolucionária” alfabetização versavam sempre sobre um mesmo horizonte, ou seja, limitavam-se ao domínio da correspondência da letra com o seu nome, através das atividades de nível pré-silábico (Ex: Mariana começa com a letra M, e termina com a letra A, o trabalho pré-silábico utiliza palavras inteiras para explorar apenas os nomes das letras)” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 51)
Para os autores “Uma vez que, ao aprender a escrever, o sujeito reconstrói a escrita, de modo semelhante ao processo pelo qual a humanidade passou, durante a construção da escrita que temos hoje, as pesquisadoras demonstram que o aluno elabora hipóteses sobre o objeto de conhecimento – a escrita e, portanto, esta aprendizagem é um processo de construção e compreensão individual que precisa ser respeitado, e que os erros cometidos pelo sujeito,
 Os autores destacam que“Cabe lembrar que, na mesma época da divulgação da Psicogênese, houve, no Estado de São Paulo, a criação dos Ciclos Básicos, em que a permanência da criança na escola foi ampliada de quatro para cinco horas, e o curso tinha por base ciclos e não séries. O primeiro ciclo continha a 1ª e 2ª séries, e o segundo, a 3ª e 4ª séries (CBI - Ciclo Básico Inicial - e CBC - Ciclo Básico em Continuidade - respectivamente). Desse modo, o aluno era promovido do CBI para o CBC automaticamente sob o pretexto de que, na segunda etapa do 1º ciclo, o aluno que não se alfa­betizara na primeira, teria a oportunidade de concluir sua alfabetização” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 52).
De acordo com os autores “os professores foram proibidos de silabar, impedidos de usar o único instrumento que conheciam (a cartilha) e com a exigência para desenvolverem apenas atividades de nível pré-silábico, um número significativo de crianças começou a ser remetido do CBI para o seguinte CBC, sem dominar sequer a escrita de palavras com sílabas simples (aquelas compostas apenas por uma consoante e vogal: comida)” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p.52-53).
 Sobre a questão de reprovação os autores ressaltam que“ reprovar o aluno e mantê-lo por mais um ano no sistema demanda recursos, de sorte que houve um momento em que a escola começou a ser cada vez mais estimulada a não reprová-los. Em hipótese alguma se defende a reprovação como solução do problema, mas sim que a escola deve oferecer condições e ensinar, para que o aluno aprenda e não precise ser re­provado. Isto é o correto, porém até o momento a escola não consegue fazer” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p.53).

Para os autores “A escola não conseguiu ensinar e, hoje, envergonhados, vemos índices de pesquisas, inclusive de nível internacional, que apontam o fracasso do ensino de língua materna, no Brasil. Tornou-se comum encontrarmos alunos na 6ª, 7ª, 8ª séries, concluintes do Ensino Fundamental que não sabem ler nem escrever, e outros semi-alfabetizados que con­cluem o Ensino Médio, escrevendo derepente, ni mim, apartir, naverdade, oque, na onde etc...” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p.53).
“Emília Ferreiro e Ana Teberosky fizeram críticas pontuais à cartilha por partir de palavras­-chave, sem contextualização, com a finalidade de desenvolver famílias silábicas de modo me­cânico, sempre em uma mesma sequência, e ainda usar pretextos (e não textos) para a mera memorização das sílabas, sem esclarecimento linguístico sobre a necessidade de se dominar as sílabas, não apenas para a construção de palavras, mas também para sua eventual correta segmentação (divisão de sílabas na escrita). As autoras citadas, que não são alfabetizadoras, jamais se posicionaram contra o ensino da sílaba, porque a sílaba é intuitiva na fala do alfabe­tizando em línguas neolatinas” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p.54).
“Enfatizamos que não defendemos a silabação feita pela cartilha, recitada em coros mecâni­cos, com a sequência tradicional das letras: a, e, i, o, u, mas a apresentação da família silábica, e a cada apresentação, dispondo-se em uma ordem diferente, para que o aluno não memorize a sequência, mas compreenda que, no caso das sílabas simples, associando uma consoante a uma vogal obtém-se a sílaba e que, unindo sílabas de modo organizado, compomos palavras com significado. Ex: BA-BO-BE-BU-BI, alternando as sílabas e não as excluindo” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 54).
Segundo os autores “Há a concepção equivocada, entre “intelectuais de gabinete” da educação, de que se a conduta na alfabetização for construtivista, o professor não poderá intervir com atividades que ajudem o aluno a avançar, alegando que, se a criança é o sujeito do conhecimento, é preciso deixar que avance sozinha” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 55).
De acordo com os autores “Analisando a alfabetização ao longo dos últimos 20 anos, constata-se que a teoria constru­tivista tem sido adotada por vários estados do Brasil como se fosse uma fórmula mágica para resolver todos os problemas relativos ao tema, mas resultados de pesquisas como o INAF 2009 (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2009) mostram índices alarmantes de analfabetismo” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 56).

Os autores salientam que “O domínio da língua escrita, enquanto especificidade da alfabetização, e a participação do aluno no mundo letrado têm se configurado como um grande desafio e um problema conside­rável para o sistema escolar. Os dados do INAF 2009 (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2009), quanto ao item escolaridade, mostram que 54% dos brasileiros que estudaram até a 4ª série atingem, no máximo, o grau rudimentar de alfabetismo. Outro fato pior é que 10% destes podem ser considerados analfabetos absolutos, apesar de terem cursado de um a quatro anos do ensino fundamental” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 56).
Para os autores “É urgente a adoção de metodologia adequada para que crianças sejam alfa­betizadas em nosso país, assumindo a definição de alfabetização, em sua especificidade, como conjunto de técnicas para exercer a arte e a ciência da escrita” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 56).
Os autores finalizam o texto ressaltando que “O construtivismo teve seu mérito, à medida que destronou a cartilha e apresentou uma teoria sobre a aquisição da escrita. Entretanto, segundo Soares (2003a), na época da cartilha havia método sem teoria sobre alfabetização, hoje há uma bela teoria, mas não se tem método. O ideal é que se tenha um método com base em uma teoria de alfabetização” (MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 56).





Nenhum comentário:

Postar um comentário