MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA,
Olympio Correa de. Psicogênese da Língua
Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a
alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de
Graduação. Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02: Didática dos
conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo
e Didática de Alfabetização). Disponível em:
<http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/40138>.
1. Contribuições da Psicogênese da Língua Escrita
Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas
argentinas, iniciaram em 1974 uma investigação, partindo da concepção de que a
aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o
objeto de conhecimento e demonstraram que a criança, já antes de chegar à
escola, tem ideias e faz hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os
estágios linguísticos que percorre até a aquisição da leitura e da escrita. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.37).
Essa teoria, formulada e comprovada
pelas duas pesquisadoras, foi divulgada pela sua primeira obra publicada no
Brasil, em 1986, a Psicogênese da língua escrita. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.37).
Assim, Ferreiro e Teberosky
desenvolveram sua pesquisa com fundamentos psicolinguísticos quando
recapitulam o construtivismo, deixando claro que a teoria piagetiana acumulava
pesquisas insuficientes para dar conta da linguagem, tendo aí um papel marginal
na constituição das competências cognitivas, fazendo com que buscassem, na
Psicolinguística, fundamentos para a investigação da Psicogênese da língua
escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.37).
A descoberta do processo de aquisição
da língua escrita, por crianças, levou Ferreiro (1983) a indagar se sua
pesquisa aplicada a adultos analfabetos encontraria os mesmos resultados. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.38).
A pesquisa mostrou que o analfabeto
adulto, assim como as crianças, sabem, mesmo antes de vir para a escola, que a
escrita é um sistema de representação e fazem hipóteses de como se dá tal
representação. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa
p.38).
Ferreiro e Teberosky (1986)
desenvolvem também aspectos propriamente linguísticos da Psicogênese da língua
escrita, quando descrevem o aprendiz formulando hipóteses a respeito do código,
percorrendo um caminho que pode ser representado nos níveis pré-silábico, silábico,
silábico-alfabético, alfabético. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA,
Olympio Correa p.38).
A Psicogênese da
língua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos conceitos e das
habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisição desses atos linguísticos
segue um percurso semelhante àquele que a humanidade percorreu até chegar ao
sistema alfabético, ou seja, o aluno, na fase pré-silábica do caminho que
percorre até alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a palavra
falada, e desconhece como essa representação se processa. Ele precisa, então,
responder a duas questões: o que a escrita representa e o modo de construção
dessa representação. No nível pré-silábico, em um primeiro momento, o
aprendiz pensa que pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou outros
sinais gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita representa a coisa a
que se refere. Há um avanço, quando se percebe que a palavra escrita representa
não a coisa diretamente, mas o nome da coisa. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa
p.39).
Assim, a passagem para o nível
silábico é feita com atividades de vinculação do discurso oral com o texto
escrito, da palavra escrita com a palavra falada. . (MENDONÇA, Onaide Schwartz e
MENDONÇA, Olympio Correa p.39).
2. Equívocos da Interpretação da
Psicogênese da Língua Escrita
Deste modo, retomando a apresentação
anterior, reafirmamos que o construtivismo, com base na Psicogênese da
língua escrita, teoria formulada e comprovada experimentalmente por Emília
Ferreiro e Ana Teberosky (1986), há mais de vinte anos foi introduzido no
Brasil, para contribuir na melhoria da qualidade da alfabetização, e adotado
pelos mais importantes sistemas públicos de ensino. (MENDONÇA, Onaide
Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.40).
Eles têm uma tendência obsessiva pela
silabação. E eu fico sem saber como agir quando o professor, ao perceber as
dificuldades das crianças com uma determinada palavra, passa a dividi-la em
sílabas. Eles dizem que isso ajuda a fixação. E eu tenho dúvida se devo
continuar censurando essa atitude. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e
MENDONÇA, Olympio Correa p.40 apud LAGÔA, 1991, p. 17-18).
A escrita é uma
reconstrução real e inteligente, com um sistema de representação historicamente
construído pela humanidade e pela criança que se alfabetiza, embora não
reinvente as letras e os números. A criança alfabetiza a si mesma e inicia essa
aprendizagem antes mesmo de entrar na escola, e seus efeitos prolongam-se após
a ação pedagógica, período durante o qual, para conhecer a natureza da
escrita, deve participar de atividades de produção e interpretação escritas,
tendo o professor o papel de mediador entre a criança e a escrita, criando
estratégias que propiciem o contato do aprendiz com esse objeto social, para
que possa pensar e agir sobre ele. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.41).
Pelo exposto, a didática silábica
merece reparos somente quando trabalhada isoladamente ou quando
prescinde da etapa anterior, a pré-silábica, e se transforma em atividade mecanicista,
ao dissociar-se do significado e do contexto, mesmo porque Emília Ferreiro
não condena didática alguma, não prescreveu métodos, nem os indicou. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.42).
O equívoco que se
configura na exclusão da experiência silábica do professor parece ser fruto de
algumas orientações pedagógicas, surgidas no afã de combater as atividades
mecanicistas herdadas das cartilhas, à revelia da própria obra de Emília
Ferreiro que não oferece elementos para fundamentar tal exigência, mas sim
esclarece que a criança pensa, raciocina, inventa, buscando compreender a
natureza desse objeto cultural – a escrita – em um processo dinâmico em
constante construção de sistemas interpretativos. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e
MENDONÇA, Olympio Correa p.43).
Esse debate, para que não se limite
ao âmbito da polêmica, pode concluir-se com o pressuposto de que a
alfabetização deve ser significativa, isto é, contextualizada. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.43).
3. Consequências dos Equívocos da
Interpretação da Psicogênese da Língua Escrita
Na elaboração das
Propostas, sob forte impacto das descobertas de Ferreiro e Teberosky (1986),
houve uma tentativa de metodização da Psicogênese da língua escrita, ou seja,
os organizadores de tais propostas tentaram, à luz da teoria, criar um método
revolucionário, inovador de alfabetização, muito diferente do método das
cartilhas utilizado durante décadas em nosso país. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e
MENDONÇA, Olympio Correa p.45).
Evidentemente, nem
o construtivismo, nem a Psicogênese da língua escrita são métodos, mas ainda
hoje é comum, ao se questionar um alfabetizador sobre qual é seu método de
ensino, obter-se a resposta: “método construtivista”. (MENDONÇA, Onaide
Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.45).
a confusão inicial
se deu por conta da própria definição de alfabetização. Definir alfabetização e
letramento é de suma importância, pois são dois processos distintos e da sua
compreensão dependerão os resultados da alfabetização em sala de aula. Assim,
compreender a natureza de cada processo é essencial, pois só de posse desse
conhecimento o professor terá condições de decidir sua metodologia de ensino,
em função dos objetivos a serem alcançados. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e
MENDONÇA, Olympio Correa p.45).
É importante que o
alfabetizador desenvolva, em sala, as sugestões de atividades indicadas pelo
construtivismo, entretanto, a especificidade da alfabetização não pode ser
esquecida e relegada a segundo plano, pois nela existem elementos que irão
garantir ao aluno o domínio da base alfabética e, portanto, a compreensão do
sistema de escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.46).
alfabetizar significa
ensinar uma técnica, a técnica do ler e escrever. Quando o aluno lê, realiza a
decodificação (decifração) de sinais gráficos, transformando grafemas em
fonemas; quando ele escreve, codifica, transformando fonemas em grafemas. Esse
é um aprendizado complexo, que exige diferentes formas de raciocínio, envolvendo
abstração e memorização. A escrita é uma convenção e, portanto, precisa ser
ensinada. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.46).
Letrar é uma
tarefa extremamente ampla que, por definição, envolve habilidades múltiplas de
ler, interpretar e produzir textos adequados às exigências sociais. Assim, em
princípio, tal atividade engloba os mais diferentes gêneros textuais, portanto
é atitude ingênua pensar que, lendo apenas histórias infantis, poemas ou
parlendas, iremos letrar alguém.
(MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.47).
O grande equívoco
que vem ocorrendo na alfabetização, no Brasil, resulta da concepção equivocada
e das práticas adotadas e divulgadas, decorrentes da má interpretação da
pesquisa de Ferreiro e Teberosky, a Psicogênese da língua escrita. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.47).
A alfabetização diluída e inconclusa
no processo de letramento, como vem sendo feito, é inaceitável, todavia os
resultados das avaliações sobre leitura e interpretação de texto demonstram,
hoje, que, além da conduta exclusiva “construtivista”, não conseguir
alfabetizar representa incompetência também para letrar. (MENDONÇA,
Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.48).
Um outro equívoco
divulgado à época era o de que o professor não precisava ensinar, porque a
criança aprendia sozinha. Dizia-se, também, que o professor não precisava
desenvolver um trabalho sistemático de alfabetização, pois deveria exercer a
função de “mediador” do conhecimento (papel que não ficava claro aos professores),
informando apenas o que os alunos, ao demonstrar interesse, questionassem. Se o
docente limitar-se a responder questionamentos de alunos, a aprendizagem da
leitura e da escrita poderá ficar comprometida. Alfabetizar exige trabalho
sistemático com objetivos determinados, com carga horária diária, concentração,
esforço, persistência e determinação. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA,
Olympio Correa p.49).
Hoje,
dificilmente, se encontram professores que conseguem desenvolver um trabalho
sistematizado. Infelizmente, a maioria limita-se a reproduzir as estratégias
de nível pré-silábico de modo aleatório, muitas vezes entregam a atividade sem
fornecer orientações sobre o que é para ser feito, mesmo quando dão a resposta,
fazem isso antes de o aluno refletir sobre o assunto. (MENDONÇA, Onaide
Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.50).
Portanto, não é difícil compreender o
“fenômeno” que vem ocorrendo em Pré-escolas por este país. Em pesquisa
circunstanciada, em rede municipal, verificou-se que os alunos ingressam no
Pré I, aos quatro anos de idade, apresentando amostras de escrita pré-silábica;
nos anos seguintes, passam pelo Pré II, Pré III e mais de 68% ingressam no
primeiro Ciclo (antiga primeira série, atual 2° ano) apresentando, ainda,
amostras de escrita pré-silábica, ou seja, estes não avançaram em seus
conhecimentos sobre escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA,
Olympio Correa p.50).
A pesquisa de Ferreiro e Teberosky
tem como mérito, para a alfabetização, a revelação dos níveis e das hipóteses
que são elaboradas pelo alfabetizando, em seu processo de construção e
aquisição da escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio
Correa p.54).
Como a teoria
construtivista afirma que é o sujeito que constrói seu conhecimento, o professor
não pode intervir: enfim, há a concepção equivocada, entre “intelectuais de
gabinete” da educação, de que se a conduta na alfabetização for construtivista,
o professor não poderá intervir com atividades que ajudem o aluno a avançar,
alegando que, se a criança é o sujeito do conhecimento, é preciso deixar que
avance sozinha. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.55).
Talvez este
equívoco seja o maior responsável pelo atual fracasso na aprendizagem da leitura
e da escrita. É como se houvesse uma cortina de fumaça que impedisse a visão,
ou como se alguém tivesse realizado uma lavagem cerebral nos responsáveis pelas
divulgações de tais concepções, já que é inconcebível ao alfabetizador aplicar
frequentemente avaliações diagnósticas para verificação dos níveis dos alunos
e permanecer de mãos atadas sem poder ajudá-los. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e
MENDONÇA, Olympio Correa p.55).
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