SANTOS,
Carrmi Ferraz. Alfabetização e escolarização: a instituição do letramento
escolar. In: SANTOS, Carmi Ferraz. Alfabetização
e letramento: conceitos e relações. 1ed. Belo Horizonte: Autentica, 2007.
“Embora
a ideia de uma escola para todos subsidiada pelo Estado remonte a Platão na
Grécia Antiga, é apenas no século XVIII que se vai instaurar, na sociedade
ocidental, um processo de escolarização em massa mediante uma educação
pública”. (p.24)
“Conforme
destaca Manacorda (1989), os movimentos populares ligados à Reforma Protestante
promoveram a difusão da instrução como meio de garantir a leitura e a
interpretação da Bíblia por cada fiel”. (p.26)
“Assim
sendo, parece que a primeira alfabetização em massa levada a cabo na Europa
Ocidental esteve ligada muito mais à catequese cristã que ao processo de
industrialização”. (p. 27)
“Como
podemos perceber, não foi à escolarização que promoveu a alfabetização. Pelo
contrário, a escolarização foi uma consequência do desenvolvimento de uma
alfabetização popular que promoveu uma cultura popular letrada que se
constituiu como parte de um movimento em favor de mudanças sociais, entre elas
o acesso à escola”. (p. 27)
“Uma
visão otimista e a favor da instrução pública não foi a princípio um consenso.
Durante o final do século XVIII e início do XIX, alguns políticos e alguns
líderes religiosos acreditavam que permitir a escolarização para toda a
população levaria à perda de controle sobre ela”. (p.27)
“Essa
alfabetização levada a efeito por meio da escolarização teve por base um
processo de ensino no qual a capacidade de ler e escrever foi sendo associada a
características morais e sociais. Isso levou a uma nova divisão da sociedade
entre os educados (escolarizados) e os não-educados (não-escolarizados)”.
(p.28)
“Uma
das primeiras consequências dessa relação que passa a se estabelecer entre a
alfabetização e a escolarização foi à instituição de um processo de
alfabetização distanciado dos usos e do material de leitura e de escrita
presentes no cotidiano das pessoas. O que passa a ser ensinado mediante a
alfabetização escolarizada não faz parte de uma cultura letrada local, uma vez
que um ensino que se quer universal necessita de um saber padronizado e
sistematizado”. (p.29)
“A
partir de então, o processo de ensino da leitura e da escrita deixa de ser
realizado baseando-se em textos utilizados no cotidiano e passa a utilizar
material escrito elaborado especificamente para uso escolar”. (p. 29)
“Outra
consequência da escolarização do processo de alfabetização resulta do próprio
caráter teleológico que a escola tem assumido desde suas origens. Objetivando
garantir o acesso a um saber padronizado, a escola se estruturou de forma
orgânica e sistematizada”. (p.30)
“Embora
estejamos falando do processo de escolarização da alfabetização iniciado entre
os séculos XVIII e XIX, essa forma de se estruturar o processo de aquisição da
língua escrita parece ainda ser algo bem presente e nos lembra as cartilhas
utilizadas ainda hoje”. (p. 31)
“Assim
como os mestres dos séculos XVIII e XIX, muitos professores ainda hoje concebem
o ato de ler e escrever como algo neutro e universal e acreditam que o problema
fundamental da alfabetização é uma questão de escolha do método a ser
utilizado”. (p.32)
“Entretanto,
não se pode negar o papel que a escola exerce hoje em nossa sociedade e que,
para muitos indivíduos, ela seja, talvez, o único meio de acesso à aprendizagem
sistemática da escrita. É preciso considerar também que a escola apresenta suas
especificidades e, por isso, discutir as práticas de alfabetização realizadas
dentro de seus muros não se trata apenas de substituir as formas de trabalho
escolar”. (p.33)
“Dessa
forma, será possível recuperar a noção ampliada de alfabetização que estabelece
os usos e as práticas efetivas de leitura e escrita vividas na sociedade e que
foi, aos poucos, sendo substituídas por uma visão meramente escolar do processo
de aprendizagem da língua escrita”. (p.34)
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