“Portanto, a Psicogênese da
língua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos conceitos e das
habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisição desses atos
linguísticos segue um percurso semelhante àquele que a humanidade percorreu até
chegar ao sistema alfabético, ou seja, o aluno, na fase pré-silábica do caminho
que percorre até alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a
palavra falada, e desconhece como essa representação se processa”. (p.39)
“No nível pré-silábico, em
um primeiro momento, o aprendiz pensa que pode escrever com desenhos, rabiscos,
letras ou outros sinais gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita
representa a coisa a que se refere”. (p.39)
“Assim, diferentemente dos
adultos, as crianças parecem passar pelas fases pré-silábica e silábica,
atingindo finalmente a alfabética. Nesse nível alfabético, o aprendiz
analisa na palavra suas vogais e consoantes. Acredita que as palavras escritas
devem representar as palavras faladas, com correspondência absoluta de letras e
sons”. (p.40)
“O referencial teórico da
Psicogênese da língua escrita leva-nos a entender que a escrita é uma
reconstrução real e inteligente, com um sistema de representação historicamente
construído pela humanidade e pela criança que se alfabetiza, embora não
reinvente as letras e os números”. (p.41)
“A criança alfabetiza a si mesma e inicia essa
aprendizagem antes mesmo de entrar na escola, e seus efeitos prolongam-se após
a ação pedagógica, período durante o qual, para conhecer a natureza da
escrita, deve participar de atividades de produção e interpretação escritas,
tendo o professor o papel de mediador entre a criança e a escrita, criando
estratégias que propiciem o contato do aprendiz com esse objeto social, para
que possa pensar e agir sobre ele. “(p.41)
“Evidentemente, nem o construtivismo,
nem a Psicogênese da língua escrita são métodos, mas ainda hoje é comum, ao se
questionar um alfabetizador sobre qual é seu método de ensino, obter-se a
resposta: ‘método construtivista’”. (p.45)
“É importante que o alfabetizador
desenvolva, em sala, as sugestões de atividades indicadas pelo construtivismo,
entretanto, a especificidade da alfabetização não pode ser esquecida e relegada
a segundo plano, pois nela existem elementos que irão garantir ao aluno o
domínio da base alfabética e, portanto, a compreensão do sistema de escrita”.
(p.46)
“Não há necessidade de primeiro
aprender a técnica, para só depois dar início ao processo de letramento,
bastando para tanto que, na alfabetização, sejam utilizados textos veiculados
socialmente, reais, e não textos artificiais, como os da cartilha, que tinham
como único objetivo a fixação de sílabas trabalhadas por meio da palavra-chave”.
(p.47)
“Letrar é uma tarefa extremamente
ampla que, por definição, envolve habilidades múltiplas de ler, interpretar e produzir
textos adequados às exigências sociais. Assim, em princípio, tal atividade
engloba os mais diferentes gêneros textuais, portanto é atitude ingênua pensar
que, lendo apenas histórias infantis, poemas ou parlendas, iremos letrar
alguém.” (p.47)
“Como vimos, a definição de
“alfabetização” e “letramento” é muito importante não só como fim, mas
principalmente como meio. Há autores que afirmam não se poder diferenciar
alfabetização de letramento, pois este representaria a alfabetização plena, em
seu sentido mais amplo. Concordamos com essa afirmação em termos de fim,
pois seria desejável que todos os alunos concluíssem o Ensino Fundamental
sabendo usar o código com desenvoltura e segurança, porém não é isto que
acontece. Entretanto, como meio (a alfabetização propriamente dita),
estabelecer a diferença entre os dois processos é necessário, pois dessa
clareza decorrerá a prática do professor na seleção de estratégias a serem
empregadas para levar o aluno ao domínio do código, sem o qual, em nossa compreensão,
não se pode classificar um indivíduo como letrado”. (p.47)
“Há outra discussão, a de que a
alfabetização não é pré-requisito para o letramento. Essa afirmação
procede, no período de alfabetização, uma vez que não é necessário que o aluno
primeiro domine o código (como era feito no método das cartilhas) para só
depois ter acesso à leitura de textos completos”. (p.48)
“Desse modo, concluímos que
alfabetização e letramento são realmente processos distintos, mas que devem ser
realizados concomitantemente, a fim de se assegurar uma aprendizagem de
qualidade, porém o processo de alfabetização, por ser específico e
convencional, precisa ser sistematicamente ensinado e, portanto, merece esforço
e dedicação especiais”. (p.48)
“A escrita se apresenta como um
conjunto de habilidades adquiridas no campo linguístico. Para que aconteça, é
necessário relacionar as unidades de sons da fala aos símbolos gráficos e, para
complementar, é preciso ter a habilidade de expressar as ideias sabendo
organizá-las na língua escrita”. (p.49)
“Hoje, dificilmente, se encontram
professores que conseguem desenvolver um trabalho sistematizado. Infelizmente,
a maioria limita-se a reproduzir as estratégias de nível pré-silábico de modo
aleatório, muitas vezes entregam a atividade sem fornecer orientações sobre o
que é para ser feito, mesmo quando dão a resposta, fazem isso antes de o aluno
refletir sobre o assunto”. (p.50)
“Deve-se reafirmar que, na
ocasião da divulgação da Psicogênese, o uso das cartilhas e da silabação foi proibido
na atividade alfabetizadora. Em algumas regiões, supervisores de ensino iam às
escolas verificar se o que havia sido indicado estava sendo cumprido. Com isso,
o professor perdeu sua liberdade de atuação em sala de aula”. (p.51)
“Contudo, reprovar o aluno e
mantê-lo por mais um ano no sistema demanda recursos, de sorte que houve um
momento em que a escola começou a ser cada vez mais estimulada a não
reprová-los. Em hipótese alguma se defende a reprovação como solução do
problema, mas sim que a escola deve oferecer condições e ensinar, para que o
aluno aprenda e não precise ser reprovado. Isto é o correto, porém até o
momento a escola não consegue fazer”. (p.53)
“Se o aluno apresentasse amostras
de escrita próprias do nível pré-silábico, registrando desenhos ao invés de
letras, por exemplo, o professor desenvolveria atividades que fizessem esse
aluno perceber que está equivocado em sua hipótese e compreendesse a
necessidade do uso de letras, ao escrever”. (p.54)
“Analisando a alfabetização ao
longo dos últimos 20 anos, constata-se que a teoria construtivista tem sido
adotada por vários estados do Brasil como se fosse uma fórmula mágica para
resolver todos os problemas relativos ao tema, mas resultados de pesquisas como
o INAF 2009 (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2009) mostram índices alarmantes de
analfabetismo”. (p.56)
“Nesse sentido, é urgente a
adoção de metodologia adequada para que crianças sejam alfabetizadas em nosso
país, assumindo a definição de alfabetização, em sua especificidade, como conjunto
de técnicas para exercer a arte e a ciência da escrita”. (p.56)
“O construtivismo teve seu
mérito, à medida que destronou a cartilha e apresentou uma teoria sobre a
aquisição da escrita. Entretanto, segundo Soares (2003a), na época da cartilha
havia método sem teoria sobre alfabetização, hoje há uma bela teoria, mas não
se tem método. O ideal é que se tenha um método com base em uma teoria de
alfabetização.” (p.56)
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