Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização


MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa de. Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática de Alfabetização). Disponível em: <http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/40138>. Acesso em: 04 de Dez 20015. 

 “Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram em 1974 uma investigação, par­tindo da concepção de que a aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento.” (p.37)

“em seus experimentos, nos quais descrevem a criança, imersa em um mundo onde há a presença de sistemas simbolicamente elaborados, como a escrita, procurando compreender a natureza dessas marcas especiais”. (p.37)

“A pesquisa mostrou que o analfabeto adulto, assim como as crianças, sabem, mesmo antes de vir para a escola, que a escrita é um sistema de representação e fazem hipóteses de como se dá tal representação” (p.38)

“... observa que, enquanto é muito fácil conseguir de uma criança pré-alfabetizada produções escritas, no adulto analfabeto a “consciência de não saber” é muito forte e ele se sente incapaz de tentar escrever”. (p.38)

No nível pré-silábico, em um primeiro momento, o aprendiz pensa que pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita representa a coisa a que se refere”. (p. 39)

“mesmo após tomar consciência de que se escreve com letras, o aprendiz tenderá a grafar um número de letras, indiscriminado, sem antecipar quantos e quais ca­racteres precisará usar para registrar palavras”. (p. 39)

“a passagem para o nível silábico é feita com atividades de vinculação do discurso oral com o texto escrito, da palavra escrita com a palavra falada”. (p.40)

“...a palavra escrita representa a palavra falada, acredita que basta grafar uma letra para se poder pronunciar uma sílaba oral, mas só entrará para o nível silábico, com correspondência sonora, à medida que seus registros apresentarem esta relação”. (p.40)

“...os adultos reconhecem como palavras, combinações de letras e sílabas com algum significado e que se distinguem dos de­senhos. Sabem que o alfabeto não basta, para ler e escrever”. (p.40)

“Assim, diferentemente dos adultos, as crianças parecem passar pelas fases pré-silábica e silábica, atingindo finalmente a alfabética. Nesse nível alfabético, o aprendiz analisa na pala­vra suas vogais e consoantes”. (p. 40)

A criança alfabetiza a si mesma e inicia essa aprendizagem antes mesmo de entrar na escola, e seus efeitos prolongam-se após a ação pedagógica, período durante o qual, para co­nhecer a natureza da escrita”. (p. 41)

“...tendo o professor o papel de mediador entre a criança e a escrita, criando estratégias que pro­piciem o contato do aprendiz com esse objeto social, para que possa pensar e agir sobre ele.” (p.41)

“Fundamentalmente a aprendizagem é considerada, pela visão tradicional, como técnica. A criança aprende a técnica da cópia, do decifrado. Aprende a sonorizar um texto e a copiar formas”. (p. 43)

“Essa criança não pode se reduzir a um par de olhos, de ouvidos e a uma mão que pega o lápis. Ela pensa também a propósito da língua escrita e os componentes conceituais desta aprendizagem precisam ser compreendidos. (FERREIRO, 1985, p. 14)”. (p. 43)

“Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica im­plica a percepção das relações entre o texto e contexto. (FREIRE, 1989, p. 11-12).” (p. 44)

“...o processo da alfabetização tem, no alfabetizando, o seu sujeito [...]. Como eu, o analfabeto é capaz de sentir a caneta [...]. A alfabe­tização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral.” (FREIRE, 1989, p. 19). (p. 44)

[...] o aluno ouve a pronúncia de cada sílaba e procura colocar letras que lhe cor­respondam. O grande passo da vinculação ‘pronúncia – construção alfabética da sílaba’ está dado, [...].(GROSSI, 1985, p. 30). (p. 44)

“Fundamentadas na teoria da Psicogênese da língua escrita, no final da década de 1980, [...] iniciaram um trabalho de elaboração de Propostas Pedagógicas e de treinamento de Supervisores de Ensino, que reproduziriam tais conhecimentos em cursos de capacitação a serem oferecidos os alfabetizadores da Rede de Ensino.” (p. 45)

“foram divulgadas concepções que não eram delas, mas geradoras de muitos equívocos, que inclusive lhes causaram muito constrangimento. Essas concepções foram e continuam sendo divulgadas até hoje.” (p.45)
“Assim, compreender a natureza de cada processo é essencial, pois só de posse desse conhecimento o professor terá condições de decidir sua metodologia de ensino, em função dos objetivos a serem alcançados.” (p.45)

“Em síntese: alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. (SOARES, 2003b, p. 80).” (p.46)

“a especificidade da alfabetização não pode ser esquecida e relegada a segundo plano, pois nela existem elementos que irão garantir ao aluno o domínio da base alfabética e, portanto, a compreensão do sistema de escrita.” (p. 46)

“Quando o aluno lê, realiza a decodifica­ção (decifração) de sinais gráficos, transformando grafemas em fonemas; quando ele escreve, codifica, transformando fonemas em grafemas. Esse é um aprendizado complexo, que exige diferentes formas de raciocínio, envolvendo abstração e memorização.” (p. 46)

Letrar é uma tarefa extremamente ampla que, por definição, envolve habilidades múltiplas de ler, interpretar e produzir textos adequados às exigências sociais.” (p. 47)

“Assim, em princípio, tal atividade engloba os mais diferentes gêneros textuais, portanto é atitude ingênua pensar que, lendo apenas histórias infantis, poemas ou parlendas, iremos letrar alguém.” (p. 47)

“O grande equívoco que vem ocorrendo na alfabetização, no Brasil, resulta da concepção equivocada e das práticas adotadas e divulgadas, decorrentes da má interpretação da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, a Psicogênese da língua escrita.” (p. 47)

“Ocorre que as atividades didáticas incentivadas pelos intérpretes do construtivismo, sob a pretensão de contextualizar o trabalho, fazendo o aluno aprender “em contato com o objeto de conhecimento”, na realidade são estratégias de letramento e não de alfabetização.” (p. 47)

”Como vimos, a definição de “alfabetização” e “letramento” é muito importante não só como fim, mas principalmente como meio. Há autores que afirmam não se poder diferenciar alfabeti­zação de letramento, pois este representaria a alfabetização plena, em seu sentido mais amplo.” (p. 47)

“Há outra discussão, a de que a alfabetização não é pré-requisito para o letramento. Essa afirmação procede, no período de alfabetização, uma vez que não é necessário que o aluno primeiro domine o código (como era feito no método das cartilhas) para só depois ter acesso à leitura de textos completos.” (p. 48)

“Segundo Soares,(2003b) na alfabetização, a grande contribuição é da linguística, que trata das relações entre sistema fonológico e sistema ortográfico, apontando o melhor caminho para a criança se apropriar desses sistemas e suas relações.” (p. 48)

“concluímos que alfabetização e letramento são realmente processos distintos, mas que devem ser realizados concomitantemente, a fim de se assegurar uma aprendizagem de qualidade”. (p.48)

“...um outro equívoco divulgado à época era o de que o professor não precisava ensinar, porque a criança aprendia sozinha. Dizia-se, também, que o professor não precisava desenvolver um trabalho sistemático de alfabetização, pois deve­ria exercer a função de “mediador” do conhecimento”. (p. 49)

“Alfabetizar exige trabalho sistemático com objetivos determinados, com carga horária diária, concentração, esforço, persistência e determinação”. (p.49)

“Hoje, dificilmente, se encontram professores que conseguem desenvolver um trabalho siste­matizado. Infelizmente, a maioria limita-se a reproduzir as estratégias de nível pré-silábico de modo aleatório [...]” (p. 50)

“Assim, sem orientação e persistência necessárias para que os alunos tenham a oportunidade de compreender, memorizar as grafias, estabelecer associações e apropriar-se do conhecimento, o trabalho torna-se mecânico.” (p.50)

“Talvez, na tentativa de ocupar os alunos, atividades de escrita são distribuídas de forma desorganizada e em quantidade sobre as crianças, o que torna a aprendizagem da leitura e da escrita ainda mais complexa do que já é [...] (p. 51)
 
“Segundo Cagliari (1999), apenas duas horas diárias de atividades de leitura são suficientes para ensinar crianças de cinco anos a ler. Em sala de Pré II de escola particular observada, verificou-se que 97% dos alunos já liam ao final do ano letivo.” (p. 51)

“...durante duas décadas após a divulgação da Psicogêne­se, o aparecimento de outro problema quando, por exemplo, 90% dos alunos de uma classe do­minam o alfabeto, sua leitura e escrita, mas não sabem combinar letras para compor palavras.” (p. 51)

“Após a divulgação da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, a cartilha foi considerada a vilã, responsável pelo fracasso de 50% dos alfabetizandos e, por decorrência, culpada pela evasão escolar.” (p. 51)

“Mas o principal problema não era o fato de tentarem escrever sem a mínima noção de escrita, mas a distância que há entre o trabalho de nível pré-silábico para o de nível alfabético (produção de escrita significativa - textos).” (p. 52)

“O professor não pode corrigir o aluno: Ferreiro e Teberosky defendem uma alfabetização ativa, baseada no questionamento, de modo que, quando o aluno questionar o professor sobre a maneira de escrever determinada palavra [...] não forneça a resposta diretamente, mas devolva o questionamento, induzindo o indivíduo a refletir sobre o objeto de conhecimento com o qual está trabalhando.” (p.52)
 
“Sabe-se que a correção é necessária e precisa ser feita na presença do aluno, quando estiver atento ao que o professor mostra. Corrigir pilhas de textos ou cadernos em casa, levar à escola e distribuí-los aos alunos é perda de tempo, pois sozinhos irão ignorar as correções.” P. 52

“Em hipótese alguma se defende a reprovação como solução do problema, mas sim que a escola deve oferecer condições e ensinar, para que o aluno aprenda e não precise ser re­provado. Isto é o correto, porém até o momento a escola não consegue fazer”. (p. 53)

“Afinal, sabe-se que todo um sistema elitista colabora para o fracasso escolar, como a má distribuição da renda, o número excessivo de alunos por sala, a má formação do professor, in­timamente ligada aos seus vencimentos irrisórios. Entretanto, faz-se necessário considerar os maiores equívocos presentes, ainda hoje, em alfabetização.” (p. 53)


 

 

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