O pensamento de Emilia Ferreiro sobre alfabetização

MELLO, Márcia Cristina de Oliveira. O pensamento de Emilia Ferreiro sobre alfabetização. Revista Moçambras: acolhendo a alfabetização nos países de língua portuguesa, São Paulo, ano 1, n. 2, 2007. Disponível em: <http://www.mocambras.org>. Publicado em: março 2007.

Foi a partir dos “anos de 1980 são divulgados, no Brasil, os resultados dos estudos realizados pela pesquisadora argentina, Emilia Ferreiro, e seus colaboradores, contendo uma nova abordagem do processo de aquisição da língua escrita pela criança”. (MELLO,2007, p.85).

Com isso “Dada a importância do pensamento dessa pesquisadora, é preciso compreendê-lo de um ponto de vista histórico: qual o seu significado, o que representou e o que representa para a história da alfabetização no Brasil?” (MELLO,2007, p.86).

No qual “Essas constatações fizeram-me confirmar meu interesse de pesquisa inicial e eleger como corpus para análise o livro Psicogênese da língua escrita, escrito por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, traduzido, no Brasil, em 1985”. (MELLO,2007, p.87).

“Emilia Ferreiro ganhou prestígio por desenvolver, com seus colaboradores, pesquisa empírica que lhe permitiu formular a teoria sobre a psicogênese da língua escrita, a qual foi divulgada em diversos países, dentre eles, o Brasil. Sua atuação profissional revela, também, o compromisso político em contribuir na busca de soluções para se enfrentar o problema do analfabetismo”. Sendo que “Ferreiro afirma ter feito uma ―revolução conceitual‖ a respeito da alfabetização, por ter ―mudado‖ o eixo em torno do qual passavam as discussões sobre o tema: dos debates sobre os métodos e os testes utilizados para o ensino da leitura e da escrita para a idéia de que não são os métodos que alfabetizam, nem os testes que auxiliam o processo de alfabetização, mas são as crianças que (re)constroem o conhecimento sobre a língua escrita, por meio de hipóteses que formulam, para compreenderem o funcionamento desse objeto de conhecimento”. (MELLO,2007, p.87).

“Desde o início da divulgação do pensamento construtivista de Emilia Ferreiro sobre alfabetização em nosso país, em meados dos anos de 1980, as tensões decorrentes da apropriação desse pensamento no âmbito de propostas oficiais estavam relacionadas com as discussões sobre o significado da ―revolução conceitual‖ proposta por Emilia Ferreiro”. (MELLO,2007, p.88).

“A análise de Psicogênese da língua escrita propiciou confirmar sua relevância no que se refere à compreensão do pensamento construtivista de Emilia Ferreiro sobre alfabetização. Essa importância deriva justamente do fato de nele estar contida o que denomino ―matriz invariante‖ desse pensamento, considerado pelas autoras do livro, como já mencionei, e por outros pesquisadores, uma ―revolução conceitual‖ em alfabetização”. (MELLO,2007, p.90).

Nos textos escritos posteriormente por Ferreiro, observa-se que a pesquisadora vai expandindo essa matriz de seu pensamento. Neles, a pesquisadora amplia e aprofunda as primeiras formulações sobre a teoria da psicogênese da língua escrita, conciliando relatos de situações e resultados de investigações desenvolvidas sobre a aprendizagem da língua escrita, seja por parte de crianças, seja por parte de adultos, seja por parte de povos indígenas. (MELLO,2007, p.91).

“Por fim, vale enfatizar que, depois das tensões iniciais decorrentes da divulgação desse pensamento – cuja matriz invariante se encontra no livro analisado – e dos questionamentos por alguns estudiosos do assunto, ele permanece atuante, até os dias de hoje, nos discursos e nas práticas de alfabetização no Brasil”. (MELLO,2007, p.91-92).




Alfabetização e escolarização: a instituição do letramento escolar

SANTOS, Carmi Ferraz. Alfabetização e letramento: conceitos e relações / organizado por Carmi Ferraz Santos e Márcia Mendonça. 1ed. 1reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2007 p. 23-35.

Alguns “pesquisadores voltados para discussões sobre o letramento têm questionado essa visão da alfabetização popular como meramente um produto desse processo de escolarização de massa impulsionado pela industrialização” (SANTOS, p. 24)                      Com o “desenvolvimento de uma sociedade industrial e urbana que vai aos poucos substituindo o antigo regime baseado numa economia rural e agrária. Com o estabelecimento de uma nova ordem econômico-social, a exigência de uma instrução universal torna-se premente”. (SANTOS, p. 24)

Com isso “entretanto, apesar de se poder estabelecer relação linear e causal entre a industrialização e a constituição de uma escola universal, não se pode afirmar que, a partir do século XVIII, passou-se do total analfabetismo para a alfabetização graças apenas à escolarização”. (SANTOS, p. 25)

A autora  “Investigando a cultura popular na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na Europa, diferentes pesquisadores revelaram a presença de cartas pessoais, diários, notas, registros, livros, folhetos e almanaques como parte essencial da vida cotidiana das populações já no século XVIII, tanto na cidade quanto no campo”. (SANTOS, p. 25)


Com “os movimentos populares ligados à Reforma Protestante promoveram a difusão da instrução como meio de garantir a leitura e a interpretação da Bíblia por cada fiel”. (SANTOS, p. 26)

Entretanto “não apenas a Reforma, mas também o movimento de Contra-Reforma, buscou a instrução de seus fiéis como forma de introduzi-los na verdade da fé católica” (SANTOS, p. 26)

Nesta perspectiva a autora traz “Uma visão otimista e a favor da instrução pública não foi a princípio um consenso. Durante o final do século XVIII e início do XIX, alguns políticos e alguns líderes religiosos acreditavam que permitir a escolarização para toda a população levaria à perda de controle sobre ela”. (SANTOS, p. 27)

Sendo que “Essa alfabetização levada a efeito por meio da escolarização teve por base um processo de ensino no qual a capacidade de ler e escrever foi sendo associada a características morais e sociais. Isso levou a uma nova divisão da sociedade entre os educados (escolarizados) e os não-educados (não-escolarizados)”. (SANTOS, p. 28) 

“A aprendizagem da língua escrita assume, a partir da escolarização formal, um caráter de alfabetização escolar, passando a considerar como verdadeiramente alfabetizado apenas o sujeito que passasse pela escola. à medida que o processo de escolarização estava sendo implantado, as práticas populares passaram a ser controladas, modificadas ou substituídas”. (SANTOS, p. 28)

“Essa relação de domínio da escolarização sobre a alfabetização popular trouxe profundas consequências para a aprendizagem da escrita e da leitura”. (SANTOS, p. 28-29)
“Uma das primeiras consequências dessa relação que passa a se estabelecer entre a alfabetização e a escolarização foi a instituição de um processo de alfabetização distanciado dos usos e do material de leitura e de escrita presentes no cotidiano das pessoas”. (SANTOS, p. 29)
Teve-se as “Consequência da escolarização do processo de alfabetização resulta do próprio caráter teleológico que a escola tem assumido desde suas origens”. (SANTOS, p. 30)

“Embora estejamos falando do processo de escolarização da alfabetização iniciado entre os séculos XVIII e XIX, essa forma de se estruturar o processo de aquisição da língua escrita parece ainda ser algo bem presente e nos lembra as cartilhas utilizadas ainda hoje”. (SANTOS, p. 31)

“Assim como os mestres dos séculos XVIII e XIX, muitos professores ainda hoje concebem o ato de ler e escrever como algo neutro e universal e acreditam que o problema fundamental da alfabetização é uma questão de escolha do método a ser utilizado”. (SANTOS, p. 32)
“As análises dos estudos mencionados nos levam a perceber o quanto a noção ampliada de alfabetização do século XVIII, que considerava as práticas de letramento efetivamente produzidas no cotidiano das pessoas comuns, foi abandonada, em favor de práticas de letramento eminentemente escolar”. (SANTOS, p. 33)


“Entretanto, não se pode negar o papel que a escola exerce hoje em nossa sociedade e que, para muitos indivíduos, ela seja, talvez, o único meio de acesso à aprendizagem sistemática da escrita”. (SANTOS, p. 33)


Conceituando alfabetização e letramento

ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Conceituando alfabetização e letramento. In: SANTOS, C. F.; MENDONÇA, M. (Org.). Alfabetização e letramento: Conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.p. 11-22.

Para autora “A alfabetização considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e “decodificação” foi transposta para a sala de aula, no final do século XIX, mediante a criação de diferentes métodos de alfabetização – métodos sintéticos (silábicos ou fônicos) x métodos analíticos (global) –, que padronizaram a aprendizagem da leitura e da escrita”. (ALBUQUERQUE, p. 11).

Com isso “A maioria de nós, que passamos pela alfabetização até as décadas finais do século passado, também teve uma experiência escolar com ênfase na “codificação” e ‘decodificação”. (ALBUQUERQUE, p. 12).

Com isso na “ década de 1980, o ensino da leitura e da escrita centrado no desenvolvimento das referidas habilidades, desenvolvido com o apoio de material pedagógico que priorizava a memorização de sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas, passou a ser amplamente criticado”. (ALBUQUERQUE, p. 15)

Pesquisa feita “No campo da Psicologia, foram muito importantes as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1984). as autoras defenderam uma concepção de língua escrita como um sistema de notação que, no nosso caso, é alfabético”. (ALBUQUERQUE, p. 15)

No processo de apropriação do sistema de escrita alfabética, os alunos precisariam compreender como esse sistema funciona e isso pressupõe que descubram que o que a escrita alfabética nota no papel são os sons das partes orais das palavras e que o faz considerando segmentos sonoros menores que a sílaba. (ALBUQUERQUE, p. 16)

No entanto “o discurso da importância de se considerar os usos e funções da língua escrita com base no desenvolvimento de atividades significativas de leitura e escrita na escola foi bastante difundido a partir da década de oitenta”, de “analfabetismo funcional” para caracterizar aquelas pessoas que, tendo se apropriado das habilidades de “codificação” e “decodificação”, não conseguiam fazer uso da escrita em diferentes contextos sociais”. (ALBUQUERQUE, p. 16)

No Brasil, o termo letramento não substituiu a palavra alfabetização, mas aparece associada a ela. (ALBUQUERQUE, p. 16)

Porem “Por outro lado, o domínio do sistema alfabético de escrita nãogarante que sejamos capazes de ler e produzir todos os gêneros de texto”, “mesmo em países desenvolvidos onde o índice de analfabetismo é praticamente inexistente, o fenômeno do letramento passou a ser amplamente discutido”, sendo que no qual “os alunos saem da escola com o domínio das habilidades inadequadamente denominadas de “codificação” e “decodificação”, mas são incapazes de ler e escrever funcionalmente textos variados em diferentes situações”. (ALBUQUERQUE, p. 17-18)

“As práticas de leitura e produção de textos desenvolvidas na escola, relacionadas a um “letramento escolar”, não se adequaria, conforme certas expectativas, ao desenvolvimento socioeconômico-cultural de nossa sociedade, em que os indivíduos convivem em contexto sem que a escrita se faz presente de forma mais complexa”. (ALBUQUERQUE, p.18)

“Sabemos que, para a formação de leitores e escritores competentes, é importante a interação com diferentes gêneros textuais, com base em contextos diversificados de comunicação”. “é imprescindível que os alunos desenvolvam autonomia para ler e escrever seus próprios textos”. (ALBUQUERQUE, p.19)

“A leitura e a produção de diferentes textos são tarefas imprescindíveis para a formação de pessoas letradas”. “É preciso ler e produzir textos diferentes para atender a finalidades diferenciadas, a fim de que superemos o ler e a escrever para apenas aprender a ler e a escrever”.  “Por outro lado, um trabalho sistemático de reflexão sobre o sistema de escrita alfabético não pode ser feito apenas através da leitura e da produção de textos, é preciso o desenvolvimento de um ensino no nível da palavra, que leve o, aluno a perceber que o que a escrita representa (nota no papel) é sua pauta sonora, e não o seu significado, e que o faz através da relação fonema/grafema”. (ALBUQUERQUE, p.20)


Fichamento: Psicogênese da Língua Escrita

MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa de. Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática de Alfabetização). Disponível em: <http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/40138>.

 O texto de Onaide e Olympio é efeito da pesquisa Psicogênese da língua escrita, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, neste trabalho eles utilizam  a aplicação da teoria, seus equívocos e consequências .

1.     Contribuições da Psicogênese da Língua Escrita

Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram em 1974 uma investigação, par­tindo da concepção de que a aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento e demonstraram que a criança, já antes de chegar à escola, tem ideias e faz hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os estágios linguísticos que percorre até a aquisição da leitura e da escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.37).

Essa teoria, formulada e comprovada pelas duas pesquisadoras, foi divulgada pela sua pri­meira obra publicada no Brasil, em 1986, a Psicogênese da língua escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.37).

Assim, Ferreiro e Teberosky desenvolveram sua pesquisa com fundamentos psicolinguís­ticos quando recapitulam o construtivismo, deixando claro que a teoria piagetiana acumulava pesquisas insuficientes para dar conta da linguagem, tendo aí um papel marginal na constitui­ção das competências cognitivas, fazendo com que buscassem, na Psicolinguística, fundamen­tos para a investigação da Psicogênese da língua escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.37).

A descoberta do processo de aquisição da língua escrita, por crianças, levou Ferreiro (1983) a indagar se sua pesquisa aplicada a adultos analfabetos encontraria os mesmos resultados. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.38).

A pesquisa mostrou que o analfabeto adulto, assim como as crianças, sabem, mesmo antes de vir para a escola, que a escrita é um sistema de representação e fazem hipóteses de como se dá tal representação. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.38).

Ferreiro e Teberosky (1986) desenvolvem também aspectos propriamente linguísticos da Psicogênese da língua escrita, quando descrevem o aprendiz formulando hipóteses a respeito do código, percorrendo um caminho que pode ser representado nos níveis pré-silábico, silá­bico, silábico-alfabético, alfabético. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.38).

A Psicogênese da língua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos concei­tos e das habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisição desses atos linguísticos segue um percurso semelhante àquele que a humanidade percorreu até chegar ao sistema alfabético, ou seja, o aluno, na fase pré-silábica do caminho que percorre até alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a palavra falada, e desconhece como essa representação se processa. Ele precisa, então, responder a duas questões: o que a escrita representa e o modo de constru­ção dessa representação. No nível pré-silábico, em um primeiro momento, o aprendiz pensa que pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita representa a coisa a que se refere. Há um avanço, quando se percebe que a palavra escrita representa não a coisa diretamente, mas o nome da coisa. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.39).

Assim, a passagem para o nível silábico é feita com atividades de vinculação do discurso oral com o texto escrito, da palavra escrita com a palavra falada. . (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.39).

2.     Equívocos da Interpretação da Psicogênese da Língua Escrita

Deste modo, reto­mando a apresentação anterior, reafirmamos que o construtivismo, com base na Psicogênese da língua escrita, teoria formulada e comprovada experimentalmente por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986), há mais de vinte anos foi introduzido no Brasil, para contribuir na me­lhoria da qualidade da alfabetização, e adotado pelos mais importantes sistemas públicos de ensino. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.40).

Eles têm uma tendência obsessiva pela silabação. E eu fico sem saber como agir quando o professor, ao perceber as dificuldades das crianças com uma determina­da palavra, passa a dividi-la em sílabas. Eles dizem que isso ajuda a fixação. E eu tenho dúvida se devo continuar censurando essa atitude. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.40 apud LAGÔA, 1991, p. 17-18).

A escrita é uma reconstrução real e inteligente, com um sistema de representação historicamente cons­truído pela humanidade e pela criança que se alfabetiza, embora não reinvente as letras e os números. A criança alfabetiza a si mesma e inicia essa aprendizagem antes mesmo de entrar na escola, e seus efeitos prolongam-se após a ação pedagógica, período durante o qual, para co­nhecer a natureza da escrita, deve participar de atividades de produção e interpretação escritas, tendo o professor o papel de mediador entre a criança e a escrita, criando estratégias que pro­piciem o contato do aprendiz com esse objeto social, para que possa pensar e agir sobre ele. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.41).

Pelo exposto, a didática silábica merece reparos somente quando trabalhada isoladamente ou quando prescinde da etapa anterior, a pré-silábica, e se transforma em atividade mecanicis­ta, ao dissociar-se do significado e do contexto, mesmo porque Emília Ferreiro não condena didática alguma, não prescreveu métodos, nem os indicou. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.42).

O equívoco que se configura na exclusão da experiência silábica do professor parece ser fru­to de algumas orientações pedagógicas, surgidas no afã de combater as atividades mecanicistas herdadas das cartilhas, à revelia da própria obra de Emília Ferreiro que não oferece elementos para fundamentar tal exigência, mas sim esclarece que a criança pensa, raciocina, inventa, bus­cando compreender a natureza desse objeto cultural – a escrita – em um processo dinâmico em constante construção de sistemas interpretativos. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.43).

Esse debate, para que não se limite ao âmbito da polêmica, pode concluir-se com o pres­suposto de que a alfabetização deve ser significativa, isto é, contextualizada. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.43).

3.     Consequências dos Equívocos da Interpretação da Psicogênese da Língua Escrita

Na elaboração das Propostas, sob forte impacto das descobertas de Ferreiro e Teberosky (1986), houve uma tentativa de metodização da Psicogênese da língua escrita, ou seja, os organi­zadores de tais propostas tentaram, à luz da teoria, criar um método revolucionário, inovador de alfabetização, muito diferente do método das cartilhas utilizado durante décadas em nosso país. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.45).

Evidentemente, nem o construtivismo, nem a Psicogênese da língua escrita são métodos, mas ainda hoje é comum, ao se questionar um alfabetizador sobre qual é seu método de ensino, obter-se a resposta: “método construtivista”. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.45).

a confusão inicial se deu por conta da própria definição de alfabetização. Definir alfabetização e letramento é de suma im­portância, pois são dois processos distintos e da sua compreensão dependerão os resultados da alfabetização em sala de aula. Assim, compreender a natureza de cada processo é essencial, pois só de posse desse conhecimento o professor terá condições de decidir sua metodologia de ensino, em função dos objetivos a serem alcançados. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.45).
É importante que o alfabetizador desenvolva, em sala, as sugestões de atividades indicadas pelo construtivismo, entretanto, a especificidade da alfabetização não pode ser esquecida e relegada a segundo plano, pois nela existem elementos que irão garantir ao aluno o domínio da base alfabética e, portanto, a compreensão do sistema de escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.46).

alfabetizar sig­nifica ensinar uma técnica, a técnica do ler e escrever. Quando o aluno lê, realiza a decodifica­ção (decifração) de sinais gráficos, transformando grafemas em fonemas; quando ele escreve, codifica, transformando fonemas em grafemas. Esse é um aprendizado complexo, que exige diferentes formas de raciocínio, envolvendo abstração e memorização. A escrita é uma conven­ção e, portanto, precisa ser ensinada. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.46).

Letrar é uma tarefa extremamente ampla que, por definição, envolve habilidades múltiplas de ler, interpretar e produzir textos adequados às exigências sociais. Assim, em princípio, tal atividade engloba os mais diferentes gêneros textuais, portanto é atitude ingênua pensar que, lendo apenas histórias infantis, poemas ou parlendas, iremos letrar alguém. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.47).

O grande equívoco que vem ocorrendo na alfabetização, no Brasil, resulta da concepção equivocada e das práticas adotadas e divulgadas, decorrentes da má interpretação da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, a Psicogênese da língua escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.47).

A alfabetização diluída e inconclusa no processo de letramento, como vem sendo feito, é inaceitável, todavia os resultados das avaliações sobre leitura e interpretação de texto demonstram, hoje, que, além da conduta exclusiva “construtivista”, não conseguir alfabetizar representa incompetência tam­bém para letrar. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.48).

Um outro equívoco divulgado à época era o de que o professor não precisava ensinar, porque a criança aprendia sozinha. Dizia-se, também, que o professor não precisava desenvolver um trabalho sistemático de alfabetização, pois deve­ria exercer a função de “mediador” do conhecimento (papel que não ficava claro aos professo­res), informando apenas o que os alunos, ao demonstrar interesse, questionassem. Se o docente limitar-se a responder questionamentos de alunos, a aprendizagem da leitura e da escrita po­derá ficar comprometida. Alfabetizar exige trabalho sistemático com objetivos determinados, com carga horária diária, concentração, esforço, persistência e determinação. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.49).

Hoje, dificilmente, se encontram professores que conseguem desenvolver um trabalho siste­matizado. Infelizmente, a maioria limita-se a reproduzir as estratégias de nível pré-silábico de modo aleatório, muitas vezes entregam a atividade sem fornecer orientações sobre o que é para ser feito, mesmo quando dão a resposta, fazem isso antes de o aluno refletir sobre o assunto. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.50).

Portanto, não é difícil compreender o “fenômeno” que vem ocorrendo em Pré-escolas por este país. Em pesquisa circunstanciada, em rede municipal, verificou-se que os alunos ingres­sam no Pré I, aos quatro anos de idade, apresentando amostras de escrita pré-silábica; nos anos seguintes, passam pelo Pré II, Pré III e mais de 68% ingressam no primeiro Ciclo (antiga primeira série, atual 2° ano) apresentando, ainda, amostras de escrita pré-silábica, ou seja, estes não avançaram em seus conhecimentos sobre escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.50).

A pesquisa de Ferreiro e Teberosky tem como mérito, para a alfabetização, a revelação dos níveis e das hipóteses que são elaboradas pelo alfabetizando, em seu processo de construção e aquisição da escrita. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.54).
Como a teoria construtivista afirma que é o sujeito que constrói seu conhecimento, o pro­fessor não pode intervir: enfim, há a concepção equivocada, entre “intelectuais de gabinete” da educação, de que se a conduta na alfabetização for construtivista, o professor não poderá intervir com atividades que ajudem o aluno a avançar, alegando que, se a criança é o sujeito do conhecimento, é preciso deixar que avance sozinha. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.55).

Talvez este equívoco seja o maior responsável pelo atual fracasso na aprendizagem da lei­tura e da escrita. É como se houvesse uma cortina de fumaça que impedisse a visão, ou como se alguém tivesse realizado uma lavagem cerebral nos responsáveis pelas divulgações de tais concepções, já que é inconcebível ao alfabetizador aplicar frequentemente avaliações diagnós­ticas para verificação dos níveis dos alunos e permanecer de mãos atadas sem poder ajudá-los. (MENDONÇA, Onaide Schwartz e MENDONÇA, Olympio Correa p.55).